28 setembro 2006

Lançamento fantástico, literalmente



Histórias fantásticas
Adolfo Bioy Casares
CosacNaify
Contos argentinos – ficção
Trad. José Geraldo Couto
301 págs.
Capa dura.
De 46,00 por 41,00
Entrega gratuita

Resenha
Quarta capa do livro (Por Daniel Galera)

Catorze relatos em que as regras do mundo convencional são sutilmente deformadas, dando um toque de mistério a narrativas que englobam paixão e tristeza, morte e a vida eterna, o cotidiano e o sobrenatural, alusões mitológicas e os limites não muito precisos da ciência. Há indícios de Poe, Conrad e Borges nestas histórias fantásticas, mas há acima de tudo a prosa elegante e a imaginação erudita de Adolfo Bioy Casares, um mestre em articular o fascínio da Antiguidade com as questões que afligem a civilização moderna.

Faça seu pedido por e-mail ou por fone: ratodelivraria@uol.com.br - 11 3266-4476.
Formas de pagamento: cheque, dinheiro ou depósito em conta-corrente no HSBC.

27 setembro 2006

Aula de História da Arte Grega





Pintura/Cerâmica
21 de outubro - das 11h às 13h.


Descobrindo o cotidiano através das obras de arte
25 de novembro - das 11h às 13h.


SEMPRE AOS SÁBADOS


Por Dani Nastari, experiente arte-educadora, Artista Plástica formada pela Faap.

Atualmente Dani trabalha na Exposição “Deuses gregos – Coleção do Museu Pergamon de Berlim”


Investimento

R$ 10,00



Inscreva-se com antecedência, vagas limitadas.

As aulas são avulsas e independentes.



RATO DE LIVRARIA
literalmente mais livraria
r. Paraíso, 790 – metrô Paraíso
f. 11.3266.4476
e. ratodelivraria@uol.com.br

25 setembro 2006

O que vai rolar no Chá Esotérico no sábado

Nos séculos XII e XIII floresceu no sul da França uma cultura excepcionalmente rica, que se caracterizava pela igualdade entre homens e mulheres, menores diferenças sociais e maior liberdade de expressão. Isso ocorreu mediante a influência de uma comunidade espiritual cujos membros eram conhecidos como “bons homens” ou “perfeitos”. Eles praticavam o puro amor cristão e levavam a todos sua mensagem de paz e seu auxílio como médicos do corpo e da alma.
“Seu templo? A abóboda celeste, um teto para a chuva e uma pedra plana revestida por uma toalha de linho branco puro, para receber o Evangelho de João, o Bem Amado.”

Acompanhe na Rato de Livraria, neste sábado, 15h00, a palestra “Os Cátaros e o caminho do Santo Graal”, pela Editora Rosacruz.

O evento também trará um bate-papo sobre tarô e feira de livros esotéricos com superdescontos.
Entrada Franca

Rua Paraíso, 790
Metrô Paraíso
3266-4476

23 setembro 2006

Fotos do Sarau Concurso





Acima, o trio vencedor de Poesia: Davi Aragão,Débora Tavares,Élcio Roefero; Logo abaixo: Mario Fioretti, Dalton Almeida, Marcelo Pinotti, ganhadores na categoria Prosa. Veja mais fotos no link ao lado.

21 setembro 2006

Segundo lugar Poesia - A paixão segundo a paixão

para C.L.

Num quarto escuro de significações
as palavras vagueiam em penosa procura.
Pergunto ao eco vazio: será tempo de morangos?

Em negros sonhos de amor
um dizer grita em silêncio,
não por causa da barata e sua matéria branca
nem pela geléia viva que transborda o inominável,
mas pelo estremecer incômodo de pés nus
que padecem do frio que corta em fio
em harmonia sutil
do encontro abismal da inaudível sinfonia de Clarice.

Clarice,
teus olhos rasgados fitam-me
da parede branca do quarto
...
é madrugada
e os apitos dos navios no canal
avisam-me da urgência de tuas palavras

Foi pela rosa que antecedeu a loucura?
Foi pela moça bíblica perdida na cidade feita contra ela?
Foram os restos de um carnaval longínquo?
Foi a dor do livro que demorou a chegar-te?

Quem saberá?

Nas horas do dia que se abre
Ouço o tic-tac dos teus dedos que passeiam
na pequena máquina adormecida em teu colo...
em foto amarelada pelo tempo
um cão negro dorme em teu calor
em outra
respiras de olhos fechados
um ar de resignação e saudade

Pergunto, então, num instante-já entre o dizível e o indizível
entre a travessia do abismo e a travessia do oposto
entre a alegria de ler-te e o fascínio de mordiscar inutilmente a tua placenta,
Estamos, ainda, em tempo de morangos?
Ilhabela, 23 de julho de 2004.

Por Élcio Luís Roefero

20 setembro 2006

Resultado do Sarau Concurso e Textos

Confira neste post o resultado e os comentários do Júri sobre os textos concorrentes.

Nas postagens mais abaixo, acompanhe os textos vencedores, e no link ao lado esquerdo veja demais textos participantes.


Vencedores Categoria Poesia

Primeiro lugar
“Cerrada”
Débora Tavares

Segundo lugar
“A paixão segundo a paixão”
Élcio Luís Roefero

Menção honrosa
“Visões”
Davi de Aragão Santos


Vencedores Categoria Prosa

Primeiro lugar
“O olho esquerdo”
Marcelo Pinotti Maluf

Segundo lugar
“Pilotos do Paraíso”
Dalton Lucas Cunha de Almeida

Menção honrosa
“Sem volta”
Mario Sergio Fioretti


Comentários gerais do Júri sobre os textos concorrentes:

Observou-se que nos textos, tanto de prosa como de poesia, houve certa recorrência de bons temas, porém faltou, na maioria dos casos, um desenvolvimento mais aprimorado das idéias.
É certo dizer que diversos trabalhos apresentaram momentos interessantes de humor. Alguns poemas, em particular, como “Lição de geometria”, demonstraram nítida excelência técnica.
A sensibilidade das idéias aliada ao amor pela poesia também teve destaque nos textos participantes, porém há uma recomendação para que linguagem e originalidade sejam mais trabalhadas daqui por diante.
Um conselho simples, repetindo o que já foi dito no domingo, é continuar escrevendo, lendo, relendo, reescrevendo. Principalmente a releitura e os “cortes” devem ser observados. Vários textos excederam-se no “discurso” e, infelizmente, faltou “poesia”.
Textos como “Barroco contraditório” e “O melhor poema do mundo” despertaram o interesse da platéia, e isso por si só já é uma boa notícia.
O Júri também destaca a importância de se atentar para o excesso de adjetivos empregados. Um bom caminho para aprimorar esse problema, bem como para evitar lugares-comuns, é observar os textos considerados clássicos da literatura e perceber sua concisão, linguagem, estilo, a organicidade da obra.
O Júri parabeniza a todos e incentiva os participantes para continuar trabalhando, burilando seus poemas, contos e crônicas, sempre nesse franco diálogo com o papel e as letras.

O Júri
Marcelino Freire, Mariana Ianelli e Vanderley Mendonça.

Vencedor Prosa - O OLHO ESQUERDO

Um lagarto estava no canto da sala. Os olhos atentos no movimento dos meus passos. Se pudesse haver comunicação entre nós certamente eu pediria a ele que se retirasse, em paz. No entanto, mal consigo me comunicar com os meus pares. Como seria a voz de um lagarto se ele falasse? Quando criança eu me lembro que os animais tinham vozes e comunicar-me com eles não era algo tão difícil assim, podia até saber o que pensavam.
Eu não poderia mantê-lo em minha casa. Na casa do meu pai. Meu pai que odiava os animais. Meu pai que havia matado três gatos e uma andorinha. Há três meses que o velho havia falecido. O que é que um lagarto come? Poderia domesticá-lo. Quem sabe ele me seria útil contra os possíveis invasores. Quem sabe se tornasse um companheiro e me salvasse da solidão. Nunca acreditei mesmo nessa besteira de que os cães é que são os melhores amigos dos homens. Meu pai também detestava os cães, “só sabem babar, latir, comer e cagar”, era o que ele dizia.
O lagarto mantinha a mesma posição e mirava os olhos no retrato do meu velho pai, pendurado recentemente na parede. Com agilidade rastejou até a pequena moldura e fixou-se ali, em cima da fotografia.
Os olhos inchados do bicho lembravam os olhos inchados do meu pai. O corpo enrugado do bicho lembrava as rugas do meu pai. Como é que surgira em minha casa aquele lagarto? De onde viera rastejando? O rabo balançava espalhando o pó acumulado de três meses sem faxina. No canto da sala, uma velha espingarda pareceu-me uma solução rápida para, se não matar, pelo menos espantar a criatura.
Meu pai limpava aquela arma toda semana e fazia questão de deixá-la carregada. “Para qualquer necessidade”, ele justificava. Talvez tivesse chegado o momento da tal “necessidade” de que falava o velho, pois nunca ouvi o som do disparo daquela espingarda, que para mim não passava de um objeto de decoração.
O lagarto permanecia imóvel sobre o retrato, de modo a deixar visíveis apenas os olhos e a testa do meu pai. Mirava-me. Seguia-me. Investigava-me. Peguei a arma, apontei para o corpo do animal. Tinha os dedos tremendo no gatilho. Não conseguiria matá-lo; ele poderia ser um bicho de estimação. Os olhos inchados do meu pai no retrato me encheram de coragem e cólera. Disparei. Caí no chão com o tranco do disparo. A bala quebrou o vidro do pequeno quadro e atingiu o olho esquerdo da imagem. O lagarto, assustado, rastejou para a rua, ileso.
Não fosse pelo caminhão a surpreendê-lo no asfalto ele ainda estaria vivo, dividindo comigo o espaço da casa do meu pai.



Por Marcelo Maluf

Segundo Lugar Prosa - Pilotos do Paraíso

Após incessantes esforços finalmente uma gorda gota d’água se formou na parede de pedra, imediatamente escorrendo até o chão, onde pode reiniciar seu trabalho de infiltração, sob o olhar atento de Sean Gun.
Que logo ao lado, dedilhava suas aparentes costelas animadamente, como outrora lembrava bem, dedilhara longos pianos de cauda, em "fumacentas" tabernas.
Assim que a gota se perdeu próxima à parede, Gun voltou-se a tremulante platéia de coqueiros que não muito longe, além da grade de alta janela, nunca desanimavam em sua dança.
-Hei Gun, acho que vc desafinou.Disse Happy Job, operador de rádio, que deitado a um canto, observava uma antiga foto e ria do colega.
-Que nada, a culpa não é minha, o problema é da marca do instrumento, mas a platéia não reclamou, não é?Sorriu o piloto, que continuou, agora sério.- Imagino que vc tenha ouvido que um navio acaba de atracar?
Happy Job, apenas fez que sim com a cabeça, e manteve o silencio, até que a porta da masmorra fosse aberta abruptamente, e um corpo fosse jogado no monte de palha mais próximo.Pouco depois, Job verificou o corpo deitando-o descentemente.
-Ainda está molhado, seu avião deve ter caído a pouco tempo, imagino que a invasão que esperamos há seis meses esteja a caminho.
-Também Job, e teremos de fazer como planejado.Muito embora, ficar aqui passando frio nesse buraco, possa ser convidativo.Sorriu o capitão, cobrindo o piloto desmaiado com um cobertor.
Ao cair da noite, ambos homens iniciaram a fuga planejada, desmontando silenciosa e cuidadosamente as pedras previamente soltas da parede apodrecida do antigo forte francês, tendo feito em duas horas o que a água não conseguira em séculos.
Terminada a obra, saíram rastejando pela areia Job,Gun e o agora acordado e seco tenente Stubborn Man, deixando para trás um pequeno buraco e um sentinela escondido, que os observava fugir, sem se preocupar.
Ao nascer do sol, os três homens exaustos, concluíram ao encontrar pela quarta vez o mesmo coqueiro que deviam descansar, sentaram-se assim cada qual com pedra e coco, na alva areia, deixando-se a observar o mar de águas cristalinas e a carcaça de um belo caça Thunderbold, que se destacava afundado a poucos passos da margem da praia.
-O que faremos Gun, essa ilha é ainda menor do que me pareceu do avião, a circulamos umas mil vezes durante a noite e não encontramos nenhum barco, ela está isolada, e se adentrarmos em direção a vila seremos pegos e presos, talvez até mortos!Disse Job, que esmurrava o coco com uma pedra lisa demais para tal trabalho.
-Exato, já quase morri a pouco, não quero arriscar a sorte.Resmungou Stub, dando um largo sorriso ao obter sucesso com o coco, sob o olhar invejoso de Job.
-Acalmem-se, tudo dará certo, só temos que destruir esse maldito grupo de antiaéreas da ilha, e arranjarmos um barco para sair daqui, imagino que existam pescadores, deverão estar aqui pela noite.
Com isso os três sentados esperaram ver uma barco que fosse, e assim o fizeram por todo o dia, sempre atentos a inevitável patrulha de resgate que deveria procura-los, e sempre estando prontos a enfurnarem-se o quanto antes nas pequenas matas da ilha.
Mas nada aconteceu, e por todo o dia, tudo que fizeram foi aproveitar a vista, comer cocos e tomar sol, usurpando a paz que bem sabiam, como soldados eram pagos para eliminar e se admirando com o espetáculo natural que enegreciam e destruíam no dia a dia com bombas e incêndios.
A segunda noite foi tão calma como a primeira, e todos dormiram, inclusive Job, que deveria ficar de guarda, o que de certa forma foi um alivio e intrigou os homens que esperavam alguma reação visto a conhecida eficiência dos soldados japoneses em seu dever.
Pela manhã, arriscaram uma aproximação a vila a cerca de meio quilometro da praia, e foram claramente ignorados pela população e até pelos cachorros, que aparentemente sentiam de longe o cheiro desagradável de vestes estragadas e apodrecidas, mantendo-se à distância.
Retornaram pouco depois e se banharam na foz de um pequeno riacho, comeram ainda mais cocos e alguns peixes que na vazão da maré haviam ficado presos em pequenos laguinhos nas pedras.Job e Stub terminavam de se vestir, quando uma velha senhora se aproximou com um cesto, baixou-o à frente deles e se foi, deixando em caridade roupas, água e pães.
-Se soubesse desse tratamento maravilhoso e dessa vista espetacular já teria fugido a tempos. Disse Job mastigando um pedaço de pão.- É uma pena que tudo isso vá pelos ares muito antes de qualquer desembarque, se é que haverá algum, se bem conheço o Almirante ele vai destruir tudo só por desencargo de consciência.
-Desencargo de consciência? Essa é muito boa, esse homem é mesmo doido.Riu-se o Tenente.-Mas é uma pena mesmo, até que gosto daqui, a vista pelo menos é maravilhosa, e foi por causa de fotos incomparavelmente menos belas que isto que escolhi a Guerra no Pacífico a na Europa, e como imaginei, a água aqui é fresca e não congelante.
Os dois oficiais riam alegremente, quando Gun aproximou-se carregando uma sacola.
- Olá garotas, bom saber que estão se divertindo.Olhou-os forçando seriedade, enquanto forçavam constrangimento. –Consegui explosivos no paiol do forte, agora entendo por que aquele lugar esta tão silencioso, não ha ninguém lá, e pelo que descobri na cidade ao enquadrar um soldado local foi que não há nenhum japonês por aqui, e como só mandaram que cuidassem de nós na cela, como estamos livres e as ordens não se aplicam, querem mais nós nos “explodamos”.
-Imagino que queira ir destruir as antiaereas agora?Perguntou-lhe Job tristemente.
-Não, deixemos para mais tarde. Disse o capitão pegando um pedaço de pão e a garrafa de água. Sorrindo em resposta aos sorrisos dos outros dois.
Assim passaram-se as horas, e toda outra noite descontraída, noite de conversas sobre tudo, mas principalmente de o que fazer naquela ilha caso não houvesse barcos tão cedo, pois aparentemente não havia pescadores, chegando todos a um consenso unânime, o de que fosse o que fosse não teriam problemas e até preferiam.
Pela manhã uma coluna de fumaça aparecera no horizonte, e um avião de reconhecimento sobrevoou a distância, os três acordaram alarmados, e correram em direção as antiaéreas estranhamente vazias.Observando o oceano, viram navios japoneses em fuga, perceberam que o bombardeio estava próximo, e o porque da ilha vazia de soldados.
A batalha requisitara a todos, e eles haviam sido retirados.
Ao longe viram dois grupos de avião se aproximando, e o som de seus motores já perceptíveis, entreolharam-se e observaram as bombas instaladas nas antiaéreas, por um instante reinou apenas aquele som tão familiar, tão esperado, tão conhecido, e em seguida tudo que fizeram foi arrancar as cargas explosivas desesperadamente, em uma ação natural e sem planejamento. A essa altura o som estava ainda mais alto, era inevitável, essa ilha paradisíaca tão pequena seria destruída. Cada homem se posicionou em uma antiaérea, fez sua prece silenciosa e disse a si abrindo fogo em sua própria gente.
-Este Paraíso não!!!

Por Dalton Almeida

Menção Honrosa Prosa - "Sem volta"

A janela estava apenas encostada, foi fácil entrar. Entrou silenciosamente no quarto e sentiu a temperatura mais quente, diferente do ar frio da manhã do lado de fora. Sentia-se um pouco cansado e com uma leve tensão, ofegando silenciosamente.
O marido dela já havia saído com o filho, sabia disso, e ela estava sozinha em casa agora. E dormia profundamente. Ele aproximou-se da cama e começou a observá-la de perto, cuidadosamente. Ainda ontem ele estava descansando um pouco, na varanda da casa de uma conhecida, no primeiro andar de uma rua comercial muito movimentada, quando a viu passar, vestindo uma camiseta azul celeste, cor que ele gostava. Usava um bracelete de cobre. Chamou sua atenção o cabelo preto bem liso, cortado na altura dos ombros, pele clara, nariz de desenho reto. Os olhos castanhos claros, quase cor de mel foi o que mais o agradou. Imediatamente, e pouco racional, ele concordaria, desceu até a calçada para vê-la mais de perto. Não foi difícil, ela parecia passear fazendo hora, vendo as vitrines das lojas próximas. Seguiu-a a uma distância segura, para que ela não sentisse sua presença. O mais perto que chegou foi quando ela encontrou uma amiga e distraiu-se o suficiente para que ele se aproximasse a ponto de sentir seu perfume, levemente adocicado. Logo ela olhou o relógio, despediu-se e correu para uma escola próxima, onde pegou uma criança na porta, seria seu filho. Era um menino miúdo, de aparência frágil, que ela abraçou com a ternura e atenção das mães jovens. Pegou-o pela mão e, carregando seus pertences, saíram juntos pela calçada, perdendo o ar sensual que ela exalava até então. Não foi difícil descobrir onde ela morava.

O quarto tinha a luz clara da manhã batendo na parede cor de creme, silencioso e confortável. Aproximou-se da cama e começou a observá-la nos detalhes. Ela se enrolava parcialmente num lençol branco de algodão puro, abraçando um travesseiro. Um edredon também branco fazia parte da confusão da cama. Vestia camiseta e calcinha, e tinha um ar quase infantil. Observou sua respiração serena e aproximou seu rosto do dela, para tentar adivinhar o que sonhava. Não conseguiu, claro, pensou com bom humor. Suas mãos, diferentemente da jovialidade do corpo, se mostravam fortes e maduras, com unhas curtas. Olhou para suas pernas e no tornozelo direito notou uma cicatriz clara, pequena, e ficou imaginado como ela havia ganho aquilo. Vendo-a ali, pensou, gostaria de fazer amor com ela, mas tirou isso da cabeça imediatamente. Preferia não pensar nisso. Mas não resistiu a tocar de leve em seu pé, e nesse momento, ela teve um pequeno sobressalto que o fez parar imediatamente. Ela começava a despertar. Ele afastou-se rapidamente, saindo para o hall dos quartos, um ambiente ainda escuro, encostando-se bem junto da parede. Uma música vinda do rádio-relógio começou a tocar naquele momento e, sem vê-la, pode imaginá-la abrindo os olhos para ver as horas. Deviam ser oito. Ela apenas reduziu um pouco o volume do rádio. A música que tocava era dos Paralamas, que dizia “ eu hoje joguei tanta coisa fora, eu vi o meu passado passar por mim...” . Ele gostava daquela musica, especialmente da parte que dizia “o céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu...” apesar de ele não concordar muito com isso. Ele continuou ali parado no hall, pensando no que fazer quando a ouviu bocejar, espreguiçar-se e levantar, indo em direção ao banheiro, fechando a porta. Aproveitou para sair dali. Foi em direção à sala silenciosa, e decidiu passar direto para a área de serviço, contígua à cozinha, onde ele poderia observá-la preparando o café. Olhou as roupas no varal, uma confusão de roupas de criança coloridas, com toalhas e calcinhas pequeninas e também coloridas, que despertavam outros pensamentos. Uma certa bagunça naquela parte da casa transmitia a rotina de uma família, com baldes misturando-se a brinquedos e panos de chão, como toda área de serviço que ele conhecia. Nisso ele a ouviu chegando à cozinha e escondeu-se o melhor que pôde, com medo que ela pudesse vir para onde estava. Daí, seria obrigado a entrar num quartinho ou, finalmente, no banheiro ao lado, e seria vexamoso para ele ter de ficar ali misturando-se às vassouras e esfregões. Ela parou na cozinha mesmo, e começou a fazer um café. Vestia agora um roupão atoalhado e, apesar de descalça, parecia sentir frio. As mulheres sempre sentem frio. Estava com os cabelos amarrotados e com os olhos ainda sonolentos, com uma beleza diferente daquela que ele havia visto ontem na rua. O cheiro do café espalhava-se pela casa agora, e ele o aspirava com prazer. Ela tomou-o puro, apenas com um pouco de leite sem açúcar, e comeu a metade de um pão francês aquecido num forninho elétrico, com manteiga Aviação. Parecia ter pressa. Olhou para o relógio do microondas e voltou para o banheiro levando a xícara com um pouco mais de café. Ao ouvir a porta do banheiro batendo, ele pôde sair de seu esconderijo e conhecer um pouco o resto da casa. Viu uma sala ampla, com uma claridade suave e gostosa. Passeou os olhos pelos CD’s, reconhecendo muitos deles. Alguns ele também gostava bastante. Viu algumas fotos dela sozinha, muitas do filho, outras de pessoas que ele não podia imaginar quem fossem. As fotos são cuidadosas seleções de alguns momentos, que usamos para nos lembrar que é possível sermos felizes. Foi olhar a estante de livros. Esses falam mais sobre seus donos do que as fotografias. Viu bons autores, romances e policiais. Sempre valorizou o ecletismo literário. Boa literatura existe em vários gêneros. Não entendia por que haviam pessoas que passavam a vida toda lendo só mistério ou biografias. Bom, pensou, deixa pra lá, o importante é que leiam. Viu também alguns títulos sobre viagens e lugares exóticos, estilo próprio dos espíritos inquietos. Alguns souvenirs falavam dos lugares onde haviam ido, e ficou em dúvida se aquela coleção kitsch era a sério ou de gozação. Talvez as duas coisas ao mesmo tempo. Naquele momento, ouviu o barulho de portas novamente, e sentiu que ela vinha para a sala com pressa. Correu de volta para a área e conseguiu vê-la pronta para sair. Usava uma saia preta mais justa que a de ontem e calçava uma bota de couro marrom bem discreta. Vestia uma blusa branca e uma pashmina em tons ocres, estava mais frio hoje. Passou rapidamente as coisas que estavam na bolsa de ontem para uma bolsa maior, e abriu a porta com pressa. Voltou para procurar o celular que havia esquecido em algum lugar, talvez na cozinha, perto de onde ele estava. Quando já estava voltando para a porta ele não resistiu e sussurrou:
- Bom dia.
Ela voltou assustada, em dúvida se tinha ouvido algo ou não. Lógico que não, estava sozinha. Dirigiu-se à porta e saiu. O barulho da chave virando na fechadura o deixava totalmente sozinho na casa e mais uma vez sozinho consigo mesmo, com um sentimento estranho. O que adiantava aquilo tudo, vê-la de tão perto, conhecer detalhes de sua vida, saber os livros que lê e as músicas que ouve e não conseguir passar disso? Sentiu-se abandonado, ele e sua estúpida sombra, impotente como um gato que fica em casa quando os donos saem para trabalhar. Sentiu pena de si mesmo mas não havia o que fazer. Apenas resignar-se com o estado das coisas. E calar.
Não havia muito mais o que ver. Voltou aborrecido ao quarto com a cama desarrumada, deu uma olhada no banheiro ainda úmido de vapor do banho recém tomado, viu jogado sobre a pia o bracelete que ela usava ontem, sentiu o mesmo cheiro de perfume que havia sentido perto dela e, repentinamente, viu-se no espelho. Era uma figura triste, com o rosto magro, a cabeça coberta por um cabelo escuro comprido, sem corte algum. Tinha o corpo franzino, não era alto, não se achava bonito. Preferiu sair dali. Abriu de vez a janela e viu a vida do lado de fora, com seus barulhos, fumaças e gente, muita gente. Felizes os que sofrem só com isso, pensou. Subiu ao parapeito e olhou para baixo – 15 andares. Sentiu um frio na espinha, mas pulou assim mesmo. Caiu alguns metros até que suas asas tivessem força para erguê-lo no ar e alçar vôo naquela manhã fresca de outono. Decidiu que não voltaria a vê-la.

Por Mario Fioretti

Vencedor Poesia - "Cerrada"

Quero

o murmúrio do ouvido na água

o estado de minério
a quietude da rocha

o mergulho da retina no escuro
a densidade da mata

a fundura de um leito de rio
para uma raiz alimentada

e então a voz.

Por Débora Tavares

19 setembro 2006

Menção honrosa Poesia - “Visões”

todas as bombas lentas no oriente
tristezas televisivas do continente africano

a cada seis segundos
alguém soropositivado

plenas decências
aplaudida decadência de um irmão...

em Hollywood explodem
luzes
de um spotlight...

Por Davi de Aragão Santos

12 setembro 2006

Dois grandes



Seguir o exemplo dos grandes escritores, eis aí uma boa coisa a se fazer na vida.

"A grande coisa é viver-sentir, ser cônscio de suas possibilidades; não passar pela vida mecânica e insensivelmente, como uma carta pelo correio."
Henry James
autor de A herdeira, considerado um de seus melhores livros.

"Amo as dificuldades, as impossibilidades. Amo sobretudo a vida, e acredito que a produção, seja qual for, é sempre preferível ao repouso."
Emile Zola
autor de Germinal, uma obra-prima, dentre muitos outros títulos de valor produzidos por Zola.

08 setembro 2006

Júri do Sarau Concurso


Vanderley Mendonça é Designer, Editor e Tradutor.
Como Jornalista trabalhou em Portugal e Espanha, pela Agência Lusa.
Foi professor do curso de Editoração da ECA-USP (2005).
É Sócio da Amauta Editorial, e no dia 17 de setembro integrará o corpo de jurados do Sarau Concurso da Rato.

Para participar, peça o regulamento completo por e-mail: ratodelivraria@uol.com.br