22 abril 2006

Resenha de A Sangue Frio



A Sangue Frio

Milton Ayres – redator publicitário e artista plástico

Quando li pela primeira vez “A Sangue Frio”, de Truman Capote, uns 25 anos atrás, não sabia muito bem do que se tratava. Era adolescente e gostava de ler livros policiais. Mesmo assim, lembro-me que fiquei bastante chocado ao saber que o crime descrito por Capote tinha realmente acontecido nos Estados Unidos duas décadas antes. Só isso.

Hoje, depois de assistir ao filme “Capote”, que retrata muito bem a personalidade e o estilo jornalístico-literário do escritor, e de reler sua obra-prima, consigo enxergar o livro de outra maneira. Confesso que no começo da leitura achei-o muito prolixo. Suas descrições beiravam o exagero. Mas todas as características da personalidade de Capote juntas (vaidade, inteligência, egocentrismo) fizeram com que seu livro pretensamente inaugurasse uma nova categoria literária, o romance jornalístico, e se tornasse um best-seller nos EUA.

Não podemos negar seu virtuosismo literário nem a maneira como ele descreve cada situação, cada personagem e cada cenário. O autor passa mais da metade do livro descrevendo os assassinos, as vítimas, as pessoas mais próximas a eles e as situações presentes e passadas relacionadas ao caso, antes de finalmente revelar como foi a tal execução a sangue frio. E após descrever o crime brutal, ele ainda passa mais um quarto do livro falando sobre a prisão e o processo criminal até finalmente chegar ao cumprimento da pena capital.

Há também um quê de análise psicológica e sociológica na obra. A descrição da personalidade dos criminosos, a análise do ambiente social em que foram criados e a influência negativa que receberam na prisão em contraponto com a vida pacata, regrada e honesta das vítimas cria a tensão psicológica necessária e a disputa entre o bem e o mal, imprescindíveis a um bom romance. Por fim, não menos importante que a documentação da história, é a questão da pena de morte, que, em função do tal relato detalhado, nos parece ser a única pena cabível.

Pesquisando posteriormente a vida do escritor, descobri nela similaridades com a vida do criminoso Perry Smith – família ausente, alcoolismo etc. Soube também do envolvimento que tiveram. Isso me fez tirar outras conclusões. É como se Truman Capote se identificasse com o bandido e tentasse expurgar todo seu lado ruim (o homossexualismo não aceito, a vaidade excessiva e o egocentrismo) através da danação do personagem criminoso. É como se ele próprio trilhasse os mesmos passos de Perry até o cadafalso para obter a redenção de seus pecados. Dizem que ele estava presente nas execuções e que chorou. E sabe-se também que depois deste livro ele não produziu mais nada de valor, entregou-se ao álcool e morreu. O que me leva a crer que, depois de vivenciar tudo isso tão intensamente, talvez tenha lhe faltado sangue frio suficiente para continuar vivendo.

A Sangue Frio

Capote, Truman

Ed. Cia das Letras

432 páginas

R$ 47,00