27 setembro 2005

Cântigo Negro




"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí!
Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o
Longe e a
Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide!
Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha
Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

José Régio

Este poema foi lido por um dos participantes do último sarau do dia 25 de setembro.Como ele próprio mencionou que não se lembrava corretamente, pesquisei e encontrei o autor e o texto completo
Abraços
Mariane Alves

21 setembro 2005

Ecos do passado

Era noite e chovia.
Os três estalidos, secos como tiros, ecoaram pela casa e me acordaram. Tive certeza que vieram do andar de baixo. Senti medo e o primeiro pensamento foi para meu foi meu pai, vou chamar meu pai, e tateando no escuro alcancei a porta. Assim que pisei no corredor, novos estalidos, dessa vez quatro. Fiquei imóvel. Quando a respiração se acalmou, deslizei rente à parede, por toda a distância que me separava do outro aposento. Esses velhos casarões foram construídos para gente valente, foi o que pensei envergonhado, e como numa confirmação, o primeiro trovão estrugiu , fazendo com que eu disparasse em meio à escuridão, correndo como louco. Precisava chegar ao quarto de meu pai. E a voz da Dinda que repetia sem parar o esse menino não come, é fraquinho, parece uma sombra. E a minha própria voz me recriminava, bem feito, quem mandou não dar ouvidos, enquanto minhas pernas mal me sustentavam.
Finalmente, a porta. Girei a maçaneta. Trancada. Por que será que eles se trancam todas as noites e me deixam só? Quase em pânico, tentei de novo e dessa vez a porta cedeu. Pai, sussurrei, Pai, acorda, tem gente lá em baixo. Pai? Naquele instante, um raio iluminou a cama vazia, nem ele, nem ela, a cama intocada. As lágrimas escorrendo, procurei em volta, penetrei nos cantos de sombra do aposento imenso. Nada. A dor do abandono quase suplantando o terror da noite, decidi voltar para meu quarto, lá estaria mais seguro.
No corredor novamente, ouvi degraus que rangiam. Sim, bem lá embaixo, alguém começava a subir, a madeira cansada da velha escadaria reclamando a cada passo. Nessa hora respondi mentalmente à Dinda que ser mirrado tem lá suas vantagens: pelo menos podia andar nas largas tábuas do chão quase sem barulho. Queria ver se fosse meu primo, corpulento e valentão, estaria em maus lençóis numa hora dessas.. Alcancei o quarto, estranhei a porta estar fechada, vai ver que foi o vento. Juntando coragem, virei a maçaneta devagarinho e a porta se abriu, coincidindo com o rugido zangado de um trovão que acabava de estourar ali por perto. Fechei rápido a porta e corri para a cama. Puxei a coberta por cima da cabeça e fiquei rezando as rezas que a Dinda me ensinou. Ai, por que eu lembrava justo da Dinda que morrera não fazia nem um mês, o caixão lá na sala, os círios ardendo, eu e o primo esticando os olhos, curiosos para ver cara de defunto. Lembrei do toque frio da mão dela sob a minha, quase podia sentir, só toquei para provar ao primo valentão que eu não era nenhum magricela medroso, não. Muda de pensamento, ordenei a mim mesmo, e comecei a contar carneirinhos: um, dois, três. Estalos. Será a Dinda que veio me buscar? Todo mundo dizia que eu era o predileto. Besteira, morto não volta. Quem disse que não, contradisse a Jurema, enquanto batia um bolo para as visitas que vinham para o velório, ainda mais morto que morre em casa. Cala a boca, pensa nos carneirinhos. Cadê o Pai, meu Deus, ele sabe que eu tenho medo, por que saiu e me deixou sozinho? Estalos e rangidos, eu podia distinguir claramente, os rangidos já estavam no alto da escada, cada vez mais perto, chegando à minha porta. Apertei os olhos com força e rezei uma Salve Rainha inteira, sem errar nem esquecer nada.
Acordei ainda de noite, a chuva caindo forte, a mão me sacudindo com urgência e falando baixinho: –Pai, acorda, tem gente lá embaixo.
Jeanete Rozsas

08 setembro 2005

Mostra Máscaras e Pinturas

Pessoal,
A mostra de máscaras e pinturas, por Verenice Pratha, continuará na Rato de Livraria até dia 24 de setembro.
As visitas podem ser feitas de segunda a sábado, das 10 às 18 horas.
Sejam bem-vindos.
abraços,
Paula e Viviane
3266-4476.

01 setembro 2005

Poema de Paulo Taranto Reis

Um Rosto

Entre o compasso do tempo
Correndo entre rostos
Que passam como a poeira
Por nós despercebidos
E despersonalizados, encontramos
Nas tumultuadas calçadas da vida
Um rosto talvez conhecido talvez
De uma forma telegráfica
Até mensageiro, este rosto
Envolto de presente e passado
Misturado como o cimento
E a areia no edificio empoeirado
De nossa memória, vem a nós
Uma lembrança um tanto vaga
Um tanto clara, de já ter amado
Aquele rosto...
Que torna a perder-se
No compasso do tempo
A margem do dia a dia...

Paulo Taranto Reis

Poema de Cristina Toda

Impressionismo

O sol do entardecer
Alaranjando nossas silhuetas
Felicidade transbordando no mar.
Me lembro do seu sorriso
Acalento vivo.
Lembrança cravada, fixada.
O tempo passou...
De fato, passou.
Tempo cruel e real.
Das silhuetas desfeitas
Ficou seu sorriso:
Imagem estática
Como uma foto
Entranhada em mim
Revelando sua presença.
Melancólica lembrança
Que me faz sorrir.
De ironia, talvez...
Que insensatez!
Cristina Helena Toda

Poema de Sylvia Helena Guerra

Alguém viu meus óculos?
Eles ficaram em algum lugar...

Meu olhar está franzido,
Concentrado à procura;
Assim, sem ver direito,
No vago...
Pairando névoas do espaço.

Vejo delírios,
O passado e o futuro –
Só não alcanço o aqui e o agora.
Eu e o momento – um desencontro uno.
O centro, atual; e eu patino nas bordas.

Alguém viu meus óculos?
Em mim os meus olhos,
Minhas lentes lá fora.

Tem alguém aí?

Sylvia Helena Guerra