21 setembro 2006

Segundo lugar Poesia - A paixão segundo a paixão

para C.L.

Num quarto escuro de significações
as palavras vagueiam em penosa procura.
Pergunto ao eco vazio: será tempo de morangos?

Em negros sonhos de amor
um dizer grita em silêncio,
não por causa da barata e sua matéria branca
nem pela geléia viva que transborda o inominável,
mas pelo estremecer incômodo de pés nus
que padecem do frio que corta em fio
em harmonia sutil
do encontro abismal da inaudível sinfonia de Clarice.

Clarice,
teus olhos rasgados fitam-me
da parede branca do quarto
...
é madrugada
e os apitos dos navios no canal
avisam-me da urgência de tuas palavras

Foi pela rosa que antecedeu a loucura?
Foi pela moça bíblica perdida na cidade feita contra ela?
Foram os restos de um carnaval longínquo?
Foi a dor do livro que demorou a chegar-te?

Quem saberá?

Nas horas do dia que se abre
Ouço o tic-tac dos teus dedos que passeiam
na pequena máquina adormecida em teu colo...
em foto amarelada pelo tempo
um cão negro dorme em teu calor
em outra
respiras de olhos fechados
um ar de resignação e saudade

Pergunto, então, num instante-já entre o dizível e o indizível
entre a travessia do abismo e a travessia do oposto
entre a alegria de ler-te e o fascínio de mordiscar inutilmente a tua placenta,
Estamos, ainda, em tempo de morangos?
Ilhabela, 23 de julho de 2004.

Por Élcio Luís Roefero