20 setembro 2006

Segundo Lugar Prosa - Pilotos do Paraíso

Após incessantes esforços finalmente uma gorda gota d’água se formou na parede de pedra, imediatamente escorrendo até o chão, onde pode reiniciar seu trabalho de infiltração, sob o olhar atento de Sean Gun.
Que logo ao lado, dedilhava suas aparentes costelas animadamente, como outrora lembrava bem, dedilhara longos pianos de cauda, em "fumacentas" tabernas.
Assim que a gota se perdeu próxima à parede, Gun voltou-se a tremulante platéia de coqueiros que não muito longe, além da grade de alta janela, nunca desanimavam em sua dança.
-Hei Gun, acho que vc desafinou.Disse Happy Job, operador de rádio, que deitado a um canto, observava uma antiga foto e ria do colega.
-Que nada, a culpa não é minha, o problema é da marca do instrumento, mas a platéia não reclamou, não é?Sorriu o piloto, que continuou, agora sério.- Imagino que vc tenha ouvido que um navio acaba de atracar?
Happy Job, apenas fez que sim com a cabeça, e manteve o silencio, até que a porta da masmorra fosse aberta abruptamente, e um corpo fosse jogado no monte de palha mais próximo.Pouco depois, Job verificou o corpo deitando-o descentemente.
-Ainda está molhado, seu avião deve ter caído a pouco tempo, imagino que a invasão que esperamos há seis meses esteja a caminho.
-Também Job, e teremos de fazer como planejado.Muito embora, ficar aqui passando frio nesse buraco, possa ser convidativo.Sorriu o capitão, cobrindo o piloto desmaiado com um cobertor.
Ao cair da noite, ambos homens iniciaram a fuga planejada, desmontando silenciosa e cuidadosamente as pedras previamente soltas da parede apodrecida do antigo forte francês, tendo feito em duas horas o que a água não conseguira em séculos.
Terminada a obra, saíram rastejando pela areia Job,Gun e o agora acordado e seco tenente Stubborn Man, deixando para trás um pequeno buraco e um sentinela escondido, que os observava fugir, sem se preocupar.
Ao nascer do sol, os três homens exaustos, concluíram ao encontrar pela quarta vez o mesmo coqueiro que deviam descansar, sentaram-se assim cada qual com pedra e coco, na alva areia, deixando-se a observar o mar de águas cristalinas e a carcaça de um belo caça Thunderbold, que se destacava afundado a poucos passos da margem da praia.
-O que faremos Gun, essa ilha é ainda menor do que me pareceu do avião, a circulamos umas mil vezes durante a noite e não encontramos nenhum barco, ela está isolada, e se adentrarmos em direção a vila seremos pegos e presos, talvez até mortos!Disse Job, que esmurrava o coco com uma pedra lisa demais para tal trabalho.
-Exato, já quase morri a pouco, não quero arriscar a sorte.Resmungou Stub, dando um largo sorriso ao obter sucesso com o coco, sob o olhar invejoso de Job.
-Acalmem-se, tudo dará certo, só temos que destruir esse maldito grupo de antiaéreas da ilha, e arranjarmos um barco para sair daqui, imagino que existam pescadores, deverão estar aqui pela noite.
Com isso os três sentados esperaram ver uma barco que fosse, e assim o fizeram por todo o dia, sempre atentos a inevitável patrulha de resgate que deveria procura-los, e sempre estando prontos a enfurnarem-se o quanto antes nas pequenas matas da ilha.
Mas nada aconteceu, e por todo o dia, tudo que fizeram foi aproveitar a vista, comer cocos e tomar sol, usurpando a paz que bem sabiam, como soldados eram pagos para eliminar e se admirando com o espetáculo natural que enegreciam e destruíam no dia a dia com bombas e incêndios.
A segunda noite foi tão calma como a primeira, e todos dormiram, inclusive Job, que deveria ficar de guarda, o que de certa forma foi um alivio e intrigou os homens que esperavam alguma reação visto a conhecida eficiência dos soldados japoneses em seu dever.
Pela manhã, arriscaram uma aproximação a vila a cerca de meio quilometro da praia, e foram claramente ignorados pela população e até pelos cachorros, que aparentemente sentiam de longe o cheiro desagradável de vestes estragadas e apodrecidas, mantendo-se à distância.
Retornaram pouco depois e se banharam na foz de um pequeno riacho, comeram ainda mais cocos e alguns peixes que na vazão da maré haviam ficado presos em pequenos laguinhos nas pedras.Job e Stub terminavam de se vestir, quando uma velha senhora se aproximou com um cesto, baixou-o à frente deles e se foi, deixando em caridade roupas, água e pães.
-Se soubesse desse tratamento maravilhoso e dessa vista espetacular já teria fugido a tempos. Disse Job mastigando um pedaço de pão.- É uma pena que tudo isso vá pelos ares muito antes de qualquer desembarque, se é que haverá algum, se bem conheço o Almirante ele vai destruir tudo só por desencargo de consciência.
-Desencargo de consciência? Essa é muito boa, esse homem é mesmo doido.Riu-se o Tenente.-Mas é uma pena mesmo, até que gosto daqui, a vista pelo menos é maravilhosa, e foi por causa de fotos incomparavelmente menos belas que isto que escolhi a Guerra no Pacífico a na Europa, e como imaginei, a água aqui é fresca e não congelante.
Os dois oficiais riam alegremente, quando Gun aproximou-se carregando uma sacola.
- Olá garotas, bom saber que estão se divertindo.Olhou-os forçando seriedade, enquanto forçavam constrangimento. –Consegui explosivos no paiol do forte, agora entendo por que aquele lugar esta tão silencioso, não ha ninguém lá, e pelo que descobri na cidade ao enquadrar um soldado local foi que não há nenhum japonês por aqui, e como só mandaram que cuidassem de nós na cela, como estamos livres e as ordens não se aplicam, querem mais nós nos “explodamos”.
-Imagino que queira ir destruir as antiaereas agora?Perguntou-lhe Job tristemente.
-Não, deixemos para mais tarde. Disse o capitão pegando um pedaço de pão e a garrafa de água. Sorrindo em resposta aos sorrisos dos outros dois.
Assim passaram-se as horas, e toda outra noite descontraída, noite de conversas sobre tudo, mas principalmente de o que fazer naquela ilha caso não houvesse barcos tão cedo, pois aparentemente não havia pescadores, chegando todos a um consenso unânime, o de que fosse o que fosse não teriam problemas e até preferiam.
Pela manhã uma coluna de fumaça aparecera no horizonte, e um avião de reconhecimento sobrevoou a distância, os três acordaram alarmados, e correram em direção as antiaéreas estranhamente vazias.Observando o oceano, viram navios japoneses em fuga, perceberam que o bombardeio estava próximo, e o porque da ilha vazia de soldados.
A batalha requisitara a todos, e eles haviam sido retirados.
Ao longe viram dois grupos de avião se aproximando, e o som de seus motores já perceptíveis, entreolharam-se e observaram as bombas instaladas nas antiaéreas, por um instante reinou apenas aquele som tão familiar, tão esperado, tão conhecido, e em seguida tudo que fizeram foi arrancar as cargas explosivas desesperadamente, em uma ação natural e sem planejamento. A essa altura o som estava ainda mais alto, era inevitável, essa ilha paradisíaca tão pequena seria destruída. Cada homem se posicionou em uma antiaérea, fez sua prece silenciosa e disse a si abrindo fogo em sua própria gente.
-Este Paraíso não!!!

Por Dalton Almeida